Fachin diz que revista íntima é ilegal e desumana e que deve ser proibida
O ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Edson Fachin afimou hoje, durante julgamento na corte, que a revista íntima deve ser considerada ilegal, pois é um ato “degradante e desumano”.
A revista íntima é aquela em que a pessoa que visita o preso é obrigada a ficar nua, total ou parcialmente, algumas vezes com exame da vagina ou do ânus, mostrar que não traz objetos ou drogas dentro do corpo. Mais de 80% das visitas são mulheres — a maioria é negra, segundo levantamento das defensorias públicas e dados de estaduais.
Segundo Fachin, a exigência de revista íntima de forma indiscriminada pode inviabilizar as visitas aos presos. “Parentes são concebidos como suspeitos apenas em razão desse vínculo”, disse o ministro.
O STF julga nesta quarta-feira recurso do MP-RS (Ministério Público do Rio Grande do Sul) contra decisão do TJ-RS (Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul), que absolveu da acusação de tráfico de drogas a irmã de um preso que tentou entrar com maconha em um presídio. .
A droga estava dentro da vagina da visitante e foi encontrada durante revista íntima, e o tribunal gaúcho julgou a prova ilegal. O STF julga hoje se as provas obtidas em revistas íntimas devem ser consideradas ilegais e, portanto, não podem servir de base para condenações. Fachin é o relator do caso.
Estado deve encontrar outras formas de revistar
Para Fachin, não é possível “validar prova ilícita diante da violação de princípios constitucionais” e que caberá aos “estados exercer outra forma de controle de entrada de drogas e objetos proibidos no sistema prisional”.
Segundo o relator do caso, “a revista íntima não se compara a outras formas de averiguação manual, mecânica ou eletrônica”. A revista, afirmou o relator, só pode ser feita na pessoa e objetos pessoais, como é feita por exemplo nas áreas de embarque de aeroportos e grandes eventos.
MP afirma que princípio da segurança foi violado
O Ministério Público do Rio Grande do Sul recorreu contra a sentença do TJ-RS alegando que o princípio da segurança pública foi violado. O caso chegou ao STF que entendeu que o caso é de repercussão geral, ou seja, terá efeito sobre casos semelhantes.
No julgamento de hoje, o procurador-geral de Justiça do Rio Grande do Sul, Fabiano Dallazen, alegou que declarar a prova obtida em revista íntima ilegal se opõe à jurisprudência do STF. “Não há direitos fundamentais absolutos”, afirmou.
Estado não pode praticar crime que tenta impedir, diz defensor
Para o defensor público Domingos Barroso da Costa, que defendeu a acusada de entrar com maconha, o caso em julgamento no STF “reverbera clamores de milhares de brasileiras e brasileiros humilhados enquanto tentam visitar amigos e parentes encarcerados”.
Advogada compara revista íntima à estupro
Em seguida, manifestaram-se as instituições inscritas como amigas da corte (amici curiae). Pelo Ibccrim (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais), a advogada Debora Nachmanowicz comparou a revista íntima a um estupro. “A ausência de consentimento, o constrangimento, a humilhação e a dor são as mesmas”, disse.
As ONGs Conectas Direitos Humanos, o ITTC (Instituto Terra, Trabalho e Cidadania), o IDDD (Instituto de Defesa do Direito de Defesa) e o Grupo de Atuação Estratégica das Defensorias Públicas e a Defensoria Pública da União também participaram do julgamento como amici curiae (amigas da corte) e defenderam a inconstitucionalidade da prática.
A revista íntima é proibida ou restrita por lei em vários estados brasileiros. Nos estados em que vigora a proibição, a medida deve ser substituída por uso de scanner ou revista mecânica (feita de forma que a pessoa não fique nua).
Contudo, na prática, mães, avós, esposas e filhas de presos — inclusive menores de idade — continuam sendo expostas indevidamente.
Para organizações de direitos humanos, a revista íntima viola vários princípios constitucionais brasileiros, como o direito à intimidade, à dignidade humana, à não produção de prova contra si mesmo e o princípio do direito penal de que a pena não vá além da pessoa do condenado.
A Corte Interamericana de Direitos Humanos considerou a prática equivalente à tortura e recomendou a sua abolição em todo o continente.
PGR defende modulação da proibição às revistas íntimas
O vice-procurador-geral da República, Humberto Jacques de Medeiros, manteve o parecer emitido em setembro pelo procurador-geral Augusto Aras para que a revista íntima seja declarada inconstitucional como padrão para a entrada de visitas em presídios.
A PGR defendeu que a revista só ocorra em casos excepcionais, como quando o scanner ou outro aparelho não funcione, mas fica vedada a nudez e o uso de espelhos durante a inspeção. Foi sugerido ainda que seja dado prazo de um ano para que os estados se adaptem para fazer somente a revista mecânica ou eletrônica.
“A segurança do sistema prisional não justifica atos humilhantes, especialmente quando possa ser obtida por meios outros menos invasivos”, afirmou o PGR no parecer.
Três apreensões a cada 10 mil visitas
Segundo a advogada Carolina Diniz, da Conectas, “mulheres não podem ser vistas como suspeitas somente por existir”. Os números, afirma, não comprovam que mulheres sejam usadas como mulas para levar drogas e outros objetos dentro do corpo para os presos.
Em São Paulo, de acordo com pesquisa da Defensoria Pública, apenas 3 em cada 10 mil revistas íntimas (0,03%) resultaram em apreensão de objetos. Paraná e Distrito Federal apresentaram dados semelhantes, segundo levantamento da Conectas.
Hoje (28), 40 instituições religiosas enviaram uma carta ao STF em que pedem que a visita íntima seja considerada inconstitucional.
Por: UOL